Simplesmente Lu

Novembro 04 2009
 
Eunice Pinto/Ag Pa

Mestre Verequete, um dos ícones da cultura paraense, em uma apresentação no

palco do Teatro Experimental Waldemar Henrique, em fevereiro de 2009

Foto: Eunice Pinto/Agência Pará
 

O Pará perdeu, ontem, 3 de novembro, um dos grandes representantes de sua cultura, o músico Augusto Gomes Rodrigues, mais conhecido como Mestre Verequete. Na verdade, os paraenses perderam a presença iluminada e talentosa do artista que completou 93 anos em agosto deste ano, mas a música do mestre permanecerá: o carimbó de raiz, o ritmo gostoso, que dá vontade de cantar e rodopiar...  Achei dois textos bem interessantes sobre o Mestre Verequete (abaixo), que deve estar fazendo uma grande festa no céu. Salve, Verequete!

 

O carimbó nunca morre, quem canta o carimbó sou eu!

O Carimbó não morreu, está de volta outra vez.
O Carimbó não morreu , está de volta outra vez.

O carimbó nunca morre, quem canta o carimbó sou eu.
O carimbó nunca morre, quem canta o carimbó sou eu.
Sou cobra venenosa, osso duro de roer.
Sou cobra venenosa, cuidado eu vou te morder.

*Mestre Verequete

Esta letra nunca foi tão atual.
A morte de Verequete traz para a pauta o peso do carimbó na cultura popular paraense.
Desde o ano passado, um coletivo de apaixonados e estudiosos do assunto trabalham, com o apoio da Secult, para que o ritmo seja reconhecido pela Unesco como Patrimônio Imaterial da Humanidade.
Uma campanha que, apesar de toda a sua importância para a nossa cultura, ainda segue pobre e sem reverberação na socidade. Não por culpa dos voluntárias dedicados à ela. Mas por total ignorância do povo em relação ao peso que esse reconhecimento mundial tem ou por mero descaso mesmo.

Verequete parte e deixa conosco um legado. Ele, que era um dos ícones desta campanha, cumpre sua missão fazendo todos refletirem sobre o que significa a morte de mais um Mestre da nossa cultura popular.

Espero que agora todos os que lamentam publicamente a morte de Verequete, escrevem belos textos e estão dando pinta no velório no Teatro da Paz façam algo de verdade pela preservação da nossa cultura popular e pelo reconhecimento de nossos mestres.
 


Salve, grande Mestre!
O carimbó nunca morre, quem deve cantar o carimbó agora somos todos nós!

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Atualizado 04/11, 0h10


Recomendo a leitura de Chore Você também por Verequete, do excelente Bêbado Gonzó.

 

Fonte: http://faloporquetenhoboca.blogspot.com/ 

 

            (BLOG DA JORNALISTA WALEISKA FERNANDES)

 

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Chore você também por Verequete

 
Verequete morreu. Isso meia dúzia de pessoas informadas em Belém já sabe desde que os boletins médicos informaram que a vida do carimbozeiro estava encerrada clinicamente. Outros ouviram falar. O certo é que muitos reclamaram a vitória da morte no jogo em que o músico Augusto Gomes Rodrigues jogou por 92 anos. Choraram os paraenses: "pobrezito, morreu tão pobrinho o pobre do Verequete. Coitadinho do pobre".
 
De fato, Verequete não era rico e há tempos se ouvia prefeitos e governos estaduais lhe prometerem pensão, o que deve ser pedido através de projeto de lei e submetido ao Legislativo. Daí, você tira o saco que é conseguir ganhar esse dinheirinho. Do Estado, o músico ganhava algo em torno de R$ 1.040 e tinha ainda a aposentadoria do INSS de R$ 465, além de uma cota de R$ 1 mil para comprar remédio, cortesia de uma rede de farmácias local. Não dá para dizer que era um homem abastado. Meu pai diz, não faz muitos anos o mestre ainda vendia seu churrasquinho de gato no Guamá, defronte a uma casa humilde, de madeira, sem saneamento ou luxo nenhum. Era pobre, afinal.
 
 

 
No livro "Cantos e cantares", sobre música paraense do estudioso Alfredo Oliveira, Verequete aparece lado a lado com outros mestres da nossa música de raiz. Figura ele na obra como um modernizador do ritmo, que popularizou e incrementou a brincadeira em torno dos curimbós, o instrumento de percussão responsável pela levada dançante. É inegável sua marca na história da música do Pará e é inegável que não foi reconhecido em vida também. Com o defunto ainda fresco, quem sabe o mestre tenha algumas loas.
 
Agora culpar o poder público por abandono e esquecimento soa de uma hipocrisia boba. Claro que os governos esqueceram os mestres e continuam esquecendo. Sou parente de Joaquim Castro, o mestre Cupijó, com muito orgulho. Agora digo que o carimbozeiro de mão cheia de Cametá, famoso na década de 1970 por seus metais irados misturados ao batuque, está curtindo uma velhice modestíssima na cidade em que nasceu, fazendo um showzinho aqui e ali, se recuperando de doença grave e vendo seu conjunto de músicos morrer um a um ao longo dos anos. Perguntem se ele ganha pensão. A resposta vai ser não.
 
Temos problemas para resolver questões consideradas prioritárias, como saúde, educação, segurança e saneamento. Nos batemos com o feijão com arroz, com o básico. Com o filé, não seria diferente e até mais difícil. Daí, evidentemente, a cultura fica em segundo plano. Basta olhar, em todas as esferas de poder, os Orçamentos Gerais e os Planos de Diretrizes Orçamentárias. Não há grandes somas para este setor.
 
Portanto, é tolice acreditar que a salvação dos artistas tradicionais e seus produtos seja o subsídio e a bóia de salvação jogada pelos governos. Artistas vivem de sua arte, do que produzem como cultura e, principalmente, do que realmente vendem ao mercado consumidor. O paraense chora a morte de Verequete e sua miséria no fim da vida, mas pouca gente consumia o tal carimbó. E estou falando dos tempos em que música era "consumida" no sentido de ser comprada. Hoje nem isso. Basta jogar nos sites de compartilhamento de arquivo e baixar os arquivos digitais sem pagar nada ao compositor ou ao cantor. Não preciso dizer que Verequete não chegou nem perto desta nova fase. O CD para ele foi o limite da inovação, infelizmente.
 
 

 
Falar em show de Verequete também é uma complicação. Me corrijam, mas acho que não houve nenhum grandioso, como, por exemplo, o que houve nos 50 anos de vida de Nilson Chaves, em que vários artistas paraenses e de outros Estados se reuniram para homenagear o "cantor da Amazônia". Claro que o velhinho fez lá suas apresentações custeadas pelo poder público, porém, não existiu uma mobilização com boa produção e engajamento de quem grita aos quatro ventos a admiração ao mestre. Pelo menos, não vi e duvido que alguém viu.
 
Verequete se perdeu no limbo dos "mestres" há muitos anos e já vinha sendo encarado como aquele vovozinho amado, mas que dá trabalho demais e a família se alivia quando morre. Agora se foi. Sobraram as piadas de que o "Chama Verequete" foi atendido, finalmente. E muito discurso bonito sobre a importância da cultura popular, sobre pobreza dos artistas, sobre identidade cultural e outros papos furadíssimos. Obviamente, estamos em um tempo marcado pela tal globalização midiática que ao mesmo tempo nos torna informados em tempo real sobre a morte do músico paraense miserável e nos toca profudamente, porque é um símbolo que deixa de existir materialmente. Agora é o mesmo fenômeno que nos impõe produtos de todas as partes do mundo e deixa pouco espaço para conhecer os que estão mais perto. Mesmo os de alguma qualidade, seja ela técnica ou simbólica mesmo, como era do caso do mestre falecido. 
 
É um traço do nosso tempo, afinal, que pode ser encarado como a "ordem natural das coisas", mas nem por isso deixo de identificar como uma impostura dos que reclamam dos governos, lamentam a pobreza do re do carimbó, ao mesmo tempo que deixam essa traço de lado, encostado no canto, como um suvenir que só nos serve para enfeitar a sala e mostrar para as visitas que vêm de fora: olha, sou paraense. Pai d'égua, não é?
 
 
"O carimbó não morreu está de volta outra vez. O carimbó não morreu está de volta outra vez. O carimbó nunca morre. Quem canta o carimbó sou eu". Mestre Verequete.
 

  

Fonte: http://bebadogonzo.blogspot.com/2009/11/chore-voce-tambem-por-verequete.html

 

            (BLOG DO JORNALISTA ANDERSON ARAÚJO)

 

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ATUALIZADO EM 5 DE NOVEMBRO:

 

Gosto da análise do Anderson e concordo com muitas de suas colocações, entretanto, penso que o poder público tem, sim, grande responsabilidade com a sua cultura e seus artistas. Para isso, deve elaborar políticas culturais que privilegiem as mais diversas manifestações, que promovam todas as formas de arte, especialmente a popular, e que (por que não?) ajudem mestres como Verequete, já que isso não é assistencialismo, mas uma forma de reparar um pouquinho tanto tempo de políticas públicas tão equivocadas.

 

Sinto que há uma luz no fim do túnel como me sentia feliz ao ver, há alguns anos, uma ou  iniciativa interessante. As políticas culturais do Estado sinalizam um caminho melhor, mais justo e inclusivo. Mas ainda é pouco, muito pouco perto do estado atual da nossa arte, dos nossos artistas.  Além do esquecimento de anos, décadas, muitos artistas sofrem nas mãos de produtores culturais gananciosos e sem escrúpulo, como foi o caso do próprio Verequete.

 

Em 2005, quando estudava Jornalismo na UFPA, escrevi um artigo sobre dança folclórica paraense, "Mangueiras Bailarinas", no qual falo destas questões e analiso a linha tênue que separa o processo natural de modernização da cultura da sua massificação:

 

"(...)  A descaracterização da dança folclórica paraense favorece sua estilização assim como a ação de produtores culturais despreocupados com a preservação desta arte. As coreografias, vestimentas e músicas que compõem nossas danças, como o carimbó e o lundu, retratam o jeito de ser e de viver do nativo. O movimento do corpo dos dançarinos mostra as características da nossa gente.

 

O carimbó, com seus passos embalados pelo gingado harmônico dos quadris das dançarinas, destaca a brejeirice das moças da terra. Já o lundu é o puro encantamento dos enamorados: a sexualidade à flor da pele e o cheiro desse Pará quente e úmido, espelhado na malícia dos movimentos desta arte identificadora de nossa cultura.

 

Rosaly Brito, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), define cultura como a ação simbolizadora do homem. A dança folclórica, representante da cultural regional, portanto, de acordo com a professora, está sujeita à “criação e atualização permanentes, inerentes aos sistemas simbólicos de significação do próprio homem”. Estando a cultura ligada intrinsecamente às formas de poder vigentes, percebe-se então que os fatores políticos e sociais envolvidos no fazer artístico-cultural são determinantes no seu processo de modernização. (...)".  O texto completo pode ser lido aqui.

 

Em uma outra matéria escrita, no mesmo ano, para uma revista paraense, "Belém, a eterna musa", músicos e poetas cantam Belém, mas com o olhar crítico em relação à mídia, patrocinadores e produtores culturais:

 

“(...) Lá fora, críticos e literatura retratam a dimensão da música produzida aqui, apesar de ainda não existir uma produção em massa”. A afirmação é de Paulo André Barata, que credita o fato à falta da valorização local dos artistas, no momento em que 'mecenas' continuam a investir alto no que vem de fora. 'Somos receptivos com conceitos e padrões importados, mas nosso mercado é inexpressivo, ainda estamos procurando um jeito de mobilizar o interesse de todos que fazem girar a roda do mercado de discos e shows', opina Almirzinho Gabriel. Para ele, existe um movimento estético com propostas interessantes na cidade.
 

Paes Loureiro fala dessa efervescência cultural de Belém. 'Estamos participando ou assistindo ao nascimento de um novo ciclo artístico-cultural amazônico a partir de Belém, que está na liderança deste processo'. Paulo André Barata ressalta que os compositores estão preocupados em traçar um mapa do ritmo do Pará, mas 'não existe música paraense e sim músicos paraenses'. (...)"

 

As matérias foram escritas em 2005, mas ainda são atuais em muitos aspectos, infelizmente. Como bem analisou o jornalista Anderson Araújo, "estamos em um tempo marcado pela tal globalização midiática que ao mesmo tempo nos torna informados em tempo real sobre a morte do músico paraense miserável e nos toca profudamente, porque é um símbolo que deixa de existir materialmente. Agora é o mesmo fenômeno que nos impõe produtos de todas as partes do mundo e deixa pouco espaço para conhecer os que estão mais perto. Mesmo os de alguma qualidade, seja ela técnica ou simbólica mesmo, como era do caso do mestre falecido". 
 

Posso dizer que esse mesmo fenômeno tem ajudado no crescimento das aparelhagens, aquelas músicas (?) que, além de nos deixar surdos, enchem a cabeça das crianças e  jovens com letras vazias nesse processo de aculturação. Hoje mesmo, no ônibus, o barulho ensurdecedor e irritante de uma destas músicas ficou ainda pior quando resolvi sentar ao lado da  "caixa de som": um celular grudado no ouvido de um rapaz - até então achava que a música era  do coletivo. Precisei pedir para o distinto passageiro diminuir o volume porque nem com meu fone de ouvido conseguia ouvir a música do meu celular. Ao contrário, na véspera, quase choro ao ver um grupo de carimbó do Sesc percorrendo as ruas da Doca em homenagem ao Mestre Verequete.

 

Por tudo isso desejo, sinceramente, que este momento de dor sirva de reflexão para todos nós, governos, artistas, produtores, empresários, cidadãos... Daqui a um tempo talvez não existam mais heróis como o Mestre Verequete, homem que viveu, amou e lutou para preservar asua arte. A arte que o manteve vivo por quase um século.

 

Que a chama de Verequete toque o coração de todos.

 

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 20:59

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