Simplesmente Lu

Maio 10 2010

 

Por Dalcídio Jurandir

 

...No bonde, Alfredo recolheu-se, sem mais aquela sensação de que o elétrico, com sua velocidade e rumor, quebrava a vidraça das janelas, impressão esta que levara de Belém quando pixote e sempre recordava em Cachoeira.
Até que o bonde ia vagaroso.


E meio sujo, seus passageiros afundavam-se num silêncio e apatia indefiníveis. Pareciam fartos de Belém enquanto o menino seguia com uma crescente gula da cidade. O bonde, cuspindo e engolindo gente, mergulhava nas saborosas entranhas de Belém, macias de mangueiras, quintais com bananeiras espiando por cima do muro, uma normalista, feixes de lenha à porta da taberna, a carrocinha dos cachorros que os levava para o fogo na Cremação, o moleque saltando no estribo e logo descendo com se fosse pago para aquilo, tabuleiros de pupunha que transpiravam ao sol, a bandeira mais roxa que vermelha de açaí, um menino de calça encarnada, o portão arriando ao peso de um jasmineiro em flor.


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Por que sua mãe não falava mais e ele mesmo não fazia perguntas?


Passaram pelo Largo de Nazaré, a Basílica em tijolos ainda, a antiga igreja ao lado. Cobrindo o Largo, mais monumentais que a Basílica, as velhas samaumeiras. À esquina da Gentil com a Generalíssimo, saltaram.


A cidade balançava ainda. Ou estava tonto com os cheiros de Belém?


No balcão do botequim da esquina, postas de peixe frito sob as moscas mereciam-lhe um olhar de espantada curiosidade. Estava sempre atento a quem olhasse para ele, receoso de ser observado. Protegia a cabeça com o embrulho que a mãe lhe dera. Vez por outra, a mágoa crescia-lhe, ímpetos de acusar a mãe. Com o sol em cima, sentia a cabeça enorme (...)


Caminhavam na Gentil.


Alfredo parecia não ter viajado no bonde e sim no barco ainda. A rua era um rio ondulante. Viu a diferença entre as suas senhas da passagem do bonde, duas de duzentos reis, picotadas, e as que lhe dava a sia Rosália, mãe de Lucíola, quando voltava de Belém com o montepio. Senhas de uma cidade para sempre perdida.


Dalcídio Jurandir


*
[No excerto acima, do romance Belém do Grão Pará (1960), lê-se uma cena da Belém moderna, dotada de bondes elétricos, conseqüência do fausto “Ciclo da Borracha”. No início do século XX como hoje, a migração do interior para os centros urbanos é um realidade, que o romancista trabalha poeticamente]

FONTE: http://www.dalcidiojurandir.com.br/artigos/sobreautor/autor5/texto5.htm

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 07:16
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Maio 10 2010

Por Paulo Nunes

A história do Brasil, tão ficcionalizada pelas fontes oficiais, teve, após o processo de redemocratização, uma ajuda de peso: a literatura. Ou melhor, a literatura sempre esteve à disposição da história. Após a redemocratização do país talvez tenhamos ficado menos ortodoxos. A literatura, outrora acusada por alguns de “mentirosa”, passou a ser um instrumento indispensável para o Brasil que deseja conhecer a si, com todas as letras. Pois, como afirma o professor Hayden White, em entrevista à Folha de São Paulo, em setembro de 1994: “Acredito que a distinção entre fato e ficção foi transcendida pelo modernismo literário (...) A escrita experimental dos grandes modernistas nos mostra uma via para problematizar a representação do passado”.  Como pensar no nosso futuro sem avaliar o papel que a Amazônia desempenha nesse contexto? Afinal os interesses internacionais sobre a maior floresta tropical do planeta são uma realidade de que não podemos nos esquivar.

É pensando nessa perspectiva de Hayden White, exposta acima, que vejo a “obra amazônica” de Dalcídio Jurandir (1909/1979). Dalcídio é um escritor ímpar no cenário de nossa literatura. Entre 1929, data da primeira versão de Chove nos campos de Cachoeira, e 1979, ano de seu falecimento, o autor construiu, disciplinadamente, uma obra que influenciaria em definitivo a escrita romanesca da literatura brasileira de expressão amazônica. Mais que isso, Jurandir, sabendo da importância de seu trabalho, parece ter aplicado literariamente a máxima de Eugene Horn, autor de A Hiléia amazônica, que, citado pelo mestre Eidorfe Moreira (1912/1989), afirma: “A Amazônia não é ‘terra de promissão’ nem ‘terra de riquezas incalculáveis’, mas uma terra de problemas desconcertantes, ainda por resolver” (Horn apud Moreira: 1989:12).

Palco de conflitos de classes e de grupos, o romance dalcidiano inaugura um momento em que, salvo engano, o Brasil tende a enxergar o Norte do país de modo singular, longe da ótica estrábica do exotismo de que muitas vezes foi vítima. Assim, Jurandir inscreve-se no rol dos escritores que, na visão de White, figuram entre os “grandes modernistas que ajudam a problematizar o passado” brasileiro. Não é à toa que Flávio Aguiar selecionou, para a antologia Com palmos medida (Fundação Perseu Abramo/ Boitempo Editorial, São Paulo, 1999), prefaciada por Antonio Candido, um trecho do romance Marajó, no qual Dalcídio Jurandir denuncia as injustiças do latifúndio e ironiza a ingenuidade dos projetos vazados em utopias vazias, como a que é defendida por uma das personagens-chave da referida obra: Missunga, herdeiro do coronel Coutinho, o qual simboliza o latifundiário marajoara.

A Amazônia, nos romances do “índio sutil”, como Jorge Amado chamava o autor de Chove nos campos de Cachoeira, é o cenário de êxtases e conflitos constantes. A obra, composta de 10 romances, é extensa, flui no remanso das marés amazônicas, à moda de um roman-fleuve (romance-rio), para utilizar uma expressão empregada por Massaud Moisés sobre a obra doExtremo Norte”. Nesse conjunto romanesco, Alfredo – filho de dona Amélia (uma negra) com o Major Alberto (branco, representante da aristocracia decadente do Marajó) – atravessa várias fases de sua vida, da infância à maturidade. De certo modo, a evolução de Alfredo representa a transmutação da região amazônica. Aqueles que, entretanto, pensam estar diante de um romancista que realça a faceta exótica da floresta equatorial, enganam-se. Os romances do “Extremo Norte” são universais, uma vez que desnudam diante do leitor conflitos humanos como a solidão, o ciúme, a inveja, o amor, a disputa pelo poder. Tudo a partir de uma poética do romance que associa os níveis popular e literário de linguagem.

Detentor das maiores premiações literárias de sua época, como o “Prêmio Machado de Assis”, concedido pela Academia Brasileira de Letras pelo conjunto da obra, Dalcídio Jurandir experimentou em vida agruras (foi preso diversas vezes; vide os documentos das polícias políticas brasileiras do Arquivo Público do Rio de Janeiro) e glórias (foi reconhecido por alguns dos mais significativos críticos literários brasileiros). O filósofo Benedito Nunes, conterrâneo do romancista e crítico literário, afirmou, em artigo no Estado de S. Paulo, em 1961: “Dalcídio Jurandir foi o introdutor da paisagem urbana da Amazônia na literatura brasileira”. De fato, a partir de Dalcídio Jurandir, não somente devido ao cenário urbano como também ao rural, a Amazônia nunca mais seria vista da mesma maneira pelos leitores brasileiros. Assim, penso que o romance dalcidiano colabora decisivamente para que a visão de uma Amazônia exótica, difundida por diversos cronistas-viajantes dos séculos XVIII e XIX, seja superada.

Em 1996, a Universidade da Amazônia lançou, em seminário de estudos sobre Jurandir, um antológico volume da revista Asas da Palavra exclusivamente dedicado ao autor de Marajó. Em 2001, a Universidade Federal do Pará e a Universidade da Amazônia reuniram em Belém, Soure e Cachoeira do Arari pesquisadores da obra do mais significativo romancista amazônico de todos os tempos. O projeto denominou-se “Colóquio Dalcídio Jurandir” e foi coordenado pelo prof. Dr. Gunter Pressller, da UFPa, que nessa tarefa foi por mim assessorado. O colóquio enfatizou então os 60 anos de Chove nos campos de Cachoeira. As ações das duas universidades têm contribuído no sentido de criar condições para a reedição nacional desse autor essencial para a literatura brasileira. Na capital do Pará, Jurandir contactou inúmeros intelectuais, entre os quais destacou-se Bruno de Menezes, introdutor, em 1924, do Modernismo no Pará e coordenador da revista “Belém Nova”, órgão “oficial” paraense da nova estética. Em 1941, na busca de melhores oportunidades, o romancista transfere-se em definitivo para o Rio de Janeiro, onde passaria mais tarde a atuar nas fileiras do Partido Comunista do Brasil, transformando-se num dos principais atores dos tensos bastidores políticos brasileiros, que desaguarão na ditadura de 64. Célebre é um episódio em que Jurandir, representante dos socialistas, confronta-se com Carlos Drummond de Andrade, representante dos liberais, pelo controle do congresso da Associação Brasileira de Escritores (ABDE), realizado em 1949. Este fato histórico pode ser melhor conhecido em O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil, de Dênis de Morais (José Olympio, 1994).

Dalcídio Jurandir, como já disse, é o autor da mais significativa obra do romance brasileiro de expressão amazônica. Um dos grandes autores da literatura da Latinoamérica. E isso não é exagero. A reedição e distribuição nacional da obra dalcidiana irá comprovar esse fato. Influenciado por Balzac, Proust, Joyce, sem deixar de lado os narradores orais populares da infância passada na Ilha do Marajó, Dalcídio escreveu uma obra visceral, essencial para se conhecer os conflitos do extremo norte brasileiro (salvo engano, a região do Brasil menos conhecida dentro do país), sobretudo aqueles em que Alfredo e as demais personagens atuam em Cachoeira, Belém e no Baixo Amazonas.

Autor de períodos longos (quando o contexto pede e isso interessa ao narrador), de estilo encharcado, semanticamente norteado pela poética das águas amazônicas, Dalcídio é autor daquilo que chamei, em Pedras de encantaria (2001), de aquonarrativa. Este estilo de escrita – que nem sempre obedece rigorosamente a pontuação gramatical – contrasta-se ao de outro mestre do romance de 30 da literatura brasileira, Graciliano Ramos. Ramos, que por sua vez, é o autor daquilo que chamei de sedenarrativa. Ao contrário de Dalcídio, o mestre alagoano escreve em estilo lacônico, pausado, árido, que remete à secura do sertão nordestino. Eis o contraste entre dois paradigmas do romance brasileiro, contraste que enriquece o panorama da nossa literatura.

 

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Paulo Nunes é professor do Centro de Ciências Humanas e Educação da Universidade da Amazônia (Unama), Belém, Pará. Mestre em Letras pela Universidade Federal do Pará. Cursa doutorado em Literaturas de Língua Portuguesa na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, onde escreve tese sobre o romance Belém do Grão Pará, de Dalcídio Jurandir. Autor de inúmeros ensaios, publicados em revistas universitárias e/ou literárias, Paulo escreveu, junto com Josse Fares, Portugal, nosso avozinho, Brasília, Letrativa, 2000, e Pedras de encantaria: dois estudos amazônicos, Belém, EdUnama, 2001, entre outros. Ele coordena, também com a professora Josse Fares, a pesquisa literária do projeto “Belém da Memória: a cidade o olhar da literatura”, da “Casa da Memória” da Unama.


FONTE: http://www.dalcidiojurandir.com.br/artigos/sobreautor/autor5/texto5.htm

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 07:13
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Maio 10 2010

 

"Todo meu romance distribuído, provavelmente, em dez volumes, é feito, da maior parte, da gente mais comum, tão ninguém, que é a minha criaturada grande de Marajó, Ilhas e Baixo Amazonas.Fui menino de beira de rio, do meio do campo, banhista de igarapé. Passei a juventude no subúrbio de Belém, entre amigos, nunca intelectuais, nos salões da melhor linhagem que são os clubinhos de gente da estiva e das oficinas, das doces e brabinhas namoradas que trabalhavam na fábrica.  Um bom intelectual de cátedra alta diria:  são as minhas essências, as minhas virtualidades.  Eu digo tão simplesmente:  é a farinha d’agua dos meus bijus (sic).  Sou um também daqueles de lá,  sempre fiz questão de não arredar pé de minha origem e para isso, ou melhor, para enterrar o pé mais fundo, pude encontrar uma filiação ideológica que me dá razão.  A esse pessoal miúdo que tento representar nos meus romances chamo de aristocracia de pé no chão".


Dalcídio Jurandir

(Folha do Norte, 23 de outubro de 1960)


FONTE: http://www.dalcidiojurandir.com.br

 

 

Dalcídio Jurandir Ramos Pereira nasceu em Ponta de Pedras, ilha do Marajo, Pará, 10 de janeiro de 1909, faleceu em 16 de junho de 1979, na cidade do Rio de Janeiro onde viveu maior parte de sua vida. Filho de Alfredo Pereira e Margarida Ramos.

 

É considerado um dos maiores escritores da Amazonia.

 

Dalcídio estudou em Belém, até 1927.

 

Em 1928 partiu para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como revisor, na revista Fon-Fon. Em 1931 retornou para Belém. Foi nomeado auxiliar de gabinete da Interventoria do Estado.

 

Escreveu para vários jornais e revistas:  O Radical,  Diretrizes, Diário de Notícias, Correio da Manhã,  Tribuna Popular, O Jornal ,  O Cruzeiro e A Classe Operária. No semanário Para Todos, trabalha como redator, sob a direção de Jorge Amado.

 

Militante comunista, foi preso em 1936, permanecendo dois meses no cárcere, conseguindo a custo, levar consigo o Dom Quixote, de Cervantes. Em 1937 foi preso novamente, e ficou quatro meses retido, retornando somente em 1939 para o Marajó, como inspetor escolar.Em 1940, vai a Santarém, Baixo Amazonas, para exercer as funções de secertário da Delegacia de Recenseamento.

 

Obtém o primeiro lugar com o livro Chove nos Campos de Cachoeira no concurso literário instituido pelo jornal Dom Casmurro e pela Editora Vecchi, concorrendo com quase uma centena de escritores.   Faziam parte da comissão julgadora: Jorge Amado,  Álvaro Moreyra, Oswaldo de Andrade e Raquel de Queiroz.

 

Em 1950, foi repórter da Imprensa Popular.   Nos anos seguintes viajou à União Soviética, Chile.  Publicou o restante de sua obra, inclusive em outros idiomas.

 

Em 1972, a Academia Brasileira de Letras concede ao autor o Prêmio Machado de Assis,  pelo conjunto de sua obra.


Em 2001, concorreu com outras personalidades ao título de "Paraense do Século". No mesmo ano, em novembro, foi realizado o Colóquio Dalcídio Jurandir, homenagem aos 60 anos da primeira publicação de Chove nos Campos de Cachoeira.


Em 2008, o Governo do Estado do Pará instituiu o Prêmio de Literatura Dalcídio Jurandir.


Em 2009 comemorar-se-á o Centenário do escritor e estão sendo realizadas campanhas para que até lá todos os seus livros sejam novamente publicados.

OBRAS

Série Extremo-Norte

• Chove nos Campos de Cachoeira  - 1941
• Marajó  -  1947
• Três Casas e um Rio -  1958
• Belém do Grão Pará  -  1960
• Passagem dos Inocentes  -  1963
• Primeira Manhã   -  1963
• Ponte do Galo  -  1971
• Os Habitantes  -  1976
• Chão dos Lobos  -  1976
• Ribanceira  -  1978

Série Extremo-Sul
• Linha do Parque  -  1951

Publicações póstumas
• Passagem dos inocentes – Editora Falângola, 1984
• Chove nos campos de Cachoeira – Editora Cejup, 1991
• Marajó – Editora Cejup, 1992
• Três Casas e Um Rio, Editora Cejup, 1994
• Belém do Grão Pará- Edufpa/Casa Rui Barbosa – 2004
• Dalcídio Jurandir - Romancista da Amazonia – Ensaio Biográfico – Casa de Rui Barbosa/Secult

 

FONTE:

http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=6085

 

LEIA MAIS AQUI:

Feira do Livro: Seminário comenta obra de Dalcídio Jurandir:

http://simplesmentelu.blogs.sapo.pt/81515.html -

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 07:07
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