Em honra, a fome. Em glória, a sede.
Maiores desesperos do corpo. Movimento de falta pelo que não foi mastigado ou bebido. Carnes trementes pelo nutriente falido; músculos que juntos protagonizam escândalo na mente quase insana, que clama, sem cerimônia, “pão!”.
Ingenuidade interrompida. Abundância no raso. Alguém grita: lá, o pão! E se vão, centenas de pares de olhos, sem ternura, sem doçura, a caça, ou mesmo luta, pelo alento das fibras. A fome fala, na voz que emudece. Pressa! Ser acalmado pelo pão que, lacônico perfeito, reabastece o gesto sereno do hiante. Majestoso em seu trigo ao faminto que lhe reza “bem vindo”. Este não come, devora!
Corpos suam nessa afobação. Suor. Água. Qual a diferença? O primeiro é derramado no duelo pela segunda. Um copo d’água, não importa se sujo. Importa se é água. Olhares vivos, quase mortos, semi-loucos. Não há carinho, beleza ou fé. Mas há contemplação. E muito verdadeira. Determinada e forçada pelo instinto. Sobrevivência. Sem afetuoso brilho ou gentil dúvida: um ganido, um soco, um chute e o definitivo golpe. “É minha a água!” E cai o outro. O alguém bebe, senti afinal derramado na seca língua a tão rara e imunda água. Ao morto, apenas seus olhos gelados, de canto, parecem chorando; deste caído, seu sangue é coágulo. A boca aberta parece falar, “não, era minha a água!” Na sede, cantam-lhe vossos olhos a cega presença que o outro lhe desperta – o outro: também caçador de sua água, do mesmo modo, por ela, vence ou cai.
Um país, Haiti. Há algo maior que um Plano Marshall para reconstruir aquele bolo de escombros, carnes e humanos?