Simplesmente Lu

Agosto 23 2012
Designers visitam o Mercado Bolonha sob a orientação da consultora Regina Machado


Elementos e detalhes que se confundem no cenário rotineiro da cidade, mas que um olhar mais atento remete a um período em que Belém, a calorosa capital do Pará, era a porta de entrada da Europa no Brasil. Azulejos, gradis, objetos decorativos em fachadas de prédios e formas inspiradas no Art Noveau foram observados com mais apuro pelos profissionais do Polo Joalheiro, que se preparam para criar a coleção de joias a ser lançada na IX Pará Expojoia – Amazônia Design, a feira do setor joalheiro que acontecerá em dezembro, no Espaço São José Liberto.

 

Sob a orientação da consultora Regina Machado, do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM), o “Workshop de Geração de Produtos Coleção Expojoia 2012” começou na terça-feira (21) com um ciclo de palestras sobre a Belle Époque, o período de riquezas proporcionado pelo comércio da borracha, e continuou na quarta-feira (22) com uma visita monitorada a vários pontos de Belém, como o Mercado Francisco Bolonha, no Ver-o-Peso, a Praça do Relógio, o Theatro da Paz e o centro comercial.


O workshop é voltado à criação e confecção das joias para a IX Pará Expojoia – Amazônia Design, que ocorrerá de 4 a 8 de dezembro, promovida pelo Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), instituição gerenciadora do Espaço São José Liberto/Polo Joalheiro, em parceria com o Governo do Pará, via Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração (Seicom).


O workshop é direcionado aos designers de joias e profissionais da área de Design vinculados ao Programa de Desenvolvimento do Setor de Joias e Metais Preciosos do Pará, gerenciado pelo Igama.

Fachada da Loja Paris N'América
“Viagem” - A visitação partiu do Complexo Ver-o-Peso, passando por construções como a Loja Paris N’América, cujas escadarias chamam a atenção pela beleza, e terminou no Theatro da Paz, uma das relíquias arquitetônicas do Ciclo da Borracha.

“Viagens pela Belle Époque: Olhares sobre o cotidiano e o urbanismo da Belém no início do século XX” foi o tema do ciclo de palestras, no qual Regina Machado, arquiteta, designer de joias, mestre em Comunicação dos Sistemas Simbólicos e doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), iniciou o trabalho de concepção da nova coleção.

Regina, que também é pesquisadora de tendências para o IBGM e consultora criativa para o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Nacional) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), contou na visitação aos prédios históricos com a participação de Thiago Vianna, historiador e gestor de Patrimônio Histórico e Cultural. 
Poste da Praça do Relógio

Inspirações - O grupo de alunos e técnicos do Polo Joalheiro começou a visita pela Praça do Relógio, localizada no centro comercial, onde foram registrados desde os detalhes dos postes que contornam a praça, com “seus capitéis (coroas das colunas) coríntios, bem Art Nouveau (Arte Nova), ao estilo Belle Époque”, observou Regina Machado. 

Thiago Vianna também apontou as estátuas em destaque na parte superior de algumas construções, elementos decorativos fabricados por uma empresa de Portugal, que serviam para enfeitar casas e lojas comerciais, representando as Letras, o Comércio, a Lei e outras formas de demonstrar o status de seus proprietários. 


Durante a visitação, tudo poderia servir como fonte de informação e inspiração para os designers, como os detalhes das formas das grades e até das pequenas argolas colocadas no alto das fachadas de alguns prédios que, de acordo com o historiador, serviam para a locomoção de móveis maiores que não poderiam ser levados para os andares superiores pelas escadas estreitas.


Estrutura metálica do Mercado Bolonha

 

Detalhe da arquitetura do Mercado Bolonha

Ao apontar uma grade que lembra a forma das asas de um pavão, Regina Machado informou que, dentro do amplo tema que envolve a Belle Époque, a serralheria pode ser uma grande fonte de criação, por destacar formas românticas, como um coração em forma de flecha de cupido, que faz parte da estrutura do Mercado Bolonha (mais conhecido como mercado de carne). “A grade fala muito do feminino e tem a facilidade e a diferenciação dos metais que a gente trabalha na joalheria, o ouro e a prata. Vamos tentar um olhar abduzido, como um ser de outro planeta que se encanta ao olhar o mundo pela primeira vez”, ressaltou a consultora.

 

 

Fachada da 6ª Seccional Urbana de Polícia, na Praça das Mercês

Azulejos encontrados, por exemplo, na entrada do Mercado Bolonha, são outra fonte rica de inspiração, bem como as fachadas de prédios, como o que abriga a 6ª Seccional Urbana de Polícia, em frente à Praça das Mercês, onde se vê a mistura de colunas de estilo Coríntio, da Escola Greco Romana (e suas formas em arabescos), com elementos neoclássicos (horizontais) da própria estrutura do prédio. Regina Machado lembrou que o período romântico é saudosista, misturando elementos de vários estilos. “O espírito da Belle Époque se encanta nos pequenos detalhes: é fantasioso e teatralmente eclético”, reiterou.

 

Belle Époque amazônica - Os participantes também conferiram a harmonia de desenhos, formas, cores e estilos característicos da riqueza do período na chegada à Loja Paris N’América, fundada em 1870 e localizada na Rua Santo Antônio, no centro comercial. Nela funciona uma loja de tecidos, e já foi um ponto de encontro da sociedade paraense. A arquitetura é a própria representação do que Belém vivenciou no Ciclo da Borracha, quando a cidade ficou conhecida como Paris N'América ou como Belle Époque Amazônica.


O grupo acompanhou atentamente as explicações e fotografou o piso, o lustre e as colunas da loja, onde a sofisticação do corrimão de ferro da escadaria central foi realçada, além da pintura. A consultora explicou que era comum no período algumas pinturas e esculturas retratarem a “europeização da figura humana”, como representar índios com o tipo físico do europeu.


Thiago Vianna e Regina Machado (centro), na escadaria da Paris N'América 
Detalhe de painel de azulejo da Fan Pacheco

História - Na Biblioteca Fran Pacheco, na sede social do Grêmio Literário e Recreativo Português, os visitantes viram logo na entrada grandes painéis em azulejos, retratando fatos históricos. Segundo Thiago Vianna, o local, que abriga especialmente exemplares das Literaturas Portuguesa, Francesa e Espanhola, servia como espaço para realização de cursos e como uma pequena escola de alfabetização para os portugueses que chegavam à cidade.

 

Seguindo o roteiro, o grupo visitou a sede da Fundação Yamada, casarão localizado na Travessa Frutuoso Guimarães, que está sendo restaurado para ser um espaço cultural. Regina Machado apontou, na entrada do prédio, a coluna em estilo Jônico com elementos marajoaras, ressaltando a estilização e a mistura características do período. 

 

A designer Rosa Leal destacou a beleza da pintura feita à mão nas paredes de cada ambiente da entrada, que remetem ao colorido da chita, tecido estampado de cores fortes, geralmente florais. Rosa também ressaltou a geometria dos tacos de madeira do piso, diferenciada em cada sala.

Sede social do Grêmio Literário Português abriga a Biblioteca Fan Pacheco

 

Aprovação – “Qualquer atividade para a criação de projetos demanda muita pesquisa, que serve de lastro para a criação. Este workshop está muito rico, tanto pelas visitas, quanto pelas quatro palestras, todas muito completas e informativas”, disse o designer Fares Farage, formado pelo Curso de Design da Universidade do Estado do Pará (Uepa), com habilitação em Projeto de Produtos, e vinculado ao Polo Joalheiro.  

 

O grupo ainda percorreu a Avenida Presidente Vargas e a Praça da República, completando o roteiro em frente ao Theatro da Paz. Regina Machado falou sobre o paisagismo característico do período, representado pelo conjunto urbano composto pela arquitetura e pelas alamedas de mangueiras centenárias. Ela frisou, ainda, que a Belle Époque retrata muito a figura feminina, as musas, sendo a cidade de Belém a grande musa inspiradora para cada joia que será criada e mostrada na próxima Pará Expojoia.

 

Belém da Belle Époque é a musa inspiradora da Expojoia 2012

TEXTO: SOCORRO COSTA E LUCIANE BARROS/ASCOM/IGAMA
FOTOS: THIAGO PINOTTI E CLARISSE FONSECA/IGAMA  
Ascom/Igama
FONTE: http://blog.saojoseliberto.com.br/2012/08/designers-visitam-belem-da-belle-epoque.html
publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 22:56

Junho 15 2012

 Design e manualidades destacam coleção de joias e modas do Pará na Rio+20

 

Colar Guaraná, inspirado na riqueza e na lenda do guaraná. Criação: Izaías Lopes. Produção: Rosa Leal.
 

 

Colar Déco Amazônico, inspirado na lenda das índias amazônicas e nas tramas de cestarias indígenas. Design: Marcilene Rodrigues. Produção: Sila Brasila.

 

 

 
Colar Guaraná, inspirado na riqueza e na lenda do guaraná. Criação: Izaías Lopes. Produção: Rosa Leal.

 

Colar Piracema, inspirado na desova dos peixes e feito com escamas de pirarucu. Design e produção: Nilma Arraes.

 

Escamas de pirarucu, minicestas de palha de arumã, azulejos, fibra de tururi, madeira, alumínio, cuia, chifre e couro de búfalo, e até coador de café reciclado. Materiais que poderiam ser descartados e degradados no meio ambiente, ganham formas, cores e, aliados ao ouro, à prata e às gemas minerais, agregam valor à coleção de joias e acessórios de moda que o Polo Joalheiro do Pará mostra, desde terça-feira (12) na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontece oficialmente de 13 a 22 de junho, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). A coleção, denominada “Manualidades e Design – Rio+20”, está sendo comercializada na loja Signature, no Copacabana Palace, tradicional hotel da capital carioca.
A coleção é resultado de um workshop de criação de produtos coordenado pela jornalista e consultora de Moda e Estilo, Cristina Franco, responsável também pela coleção “Manualidades – Lapidando Tendências”, lançada em 2011 na primeira edição da Casa Cor Pará, em Belém.
O público da Rio+20 verá mais de 40 peças inéditas, além de outras da coleção anterior de joias e acessórios de moda. Os trabalhos expostos – bolsas, colares, anéis, brincos, broches, fivelas, pingentes, braceletes e pulseiras – foram criados e confeccionados pelos profissionais Rosa Leal, Izaías Lopes, Ivete Negrão, Edinaldo Pereira, Leila Salame, Tarcisio, Ivam Silva, Clara Amorim, Júlia Mendes, João Amorim, Celeste Heitmann, Rai Oliveira, Fábio Monteiro, Roseli Matias, Joseli Limão, Eli Cascaes, Nilma Arraes, Circe Silva, Erivaldo Júnior, Marcilene Rodrigues, Selma Montenegro, Mônica Matos, Paulo Tavares e Bárbara Müller.
Criada especialmente para a Rio+20, a coleção expressa os conceitos de design e sustentabilidade, referências no trabalho desenvolvido há mais de uma década pelo Programa de Desenvolvimento do Setor de Gemas, Joias e Metais Preciosos, mantido pelo Governo do Estado e gerenciado, desde 2007, pelo Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), no Espaço São José Liberto.
Tendências - Segundo Cristina Franco, o trabalho realizado no Espaço São José Liberto está em plena harmonia com as tendências atuais do mercado. O artesanal, a matéria prima regional, a identidade cultural e a exclusividade são critérios que o mercado contemporâneo adota para definição de um artigo de luxo.
Na produção da coleção para a Rio+20, Cristina trabalhou com os designers e demais profissionais paraenses o conhecimento e a sabedoria popular, extraindo de casa produtos com conceitos e histórias próprias. Um dos exemplos dessa originalidade é o colar em prata, com gema vegetal de açaí e fio de seda com tingimento natural de café, criado por Mônica Matos, e com trabalho em ourivesaria de Paulo Tavares.
“A joalheria e moda são mercados que caminham lado a lado, que se complementam e se enriquecem. A Joia do Pará, como um produto plenamente conectado a essa contemporaneidade, que investe e valoriza o caráter sustentável em seus processos de criação e produção, não poderia ficar de fora de um evento com a temática da Rio+20”, ressalta Rosa Helena Neves, diretora executiva do Polo Joalheiro do Pará.
Carteira Floresta, inspirada na forma orgânica da floresta. Design e produção: Rosa Leal.

Bolsa Xingu, inspirada em tecidos crus pintados pelospindios Assurini, que vivem às margens do Rio Xingu. Design e produção: Erivaldo Júnior.
Fotos: João Ramid
Ascom/Igama
FONTE: http://blog.saojoseliberto.com.br/2012/06/design-e-manualidades-destacam-colecao.html
publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 19:45

Junho 19 2011

Reproduzo, abaixo, artigo publicado na edição de hoje (19) do Jornal Diário do Pará, que fala um pouco sobre a trajetória da Dr. Clara Pandolfo. Quem o assina é o jornalista e historiador Murilo Fiuza de Melo.

 

Clara Pandolfo, uma pioneira em defesa da floresta

                                                                                                  Por Murilo Fiuza de Melo*

       Este ano os paraenses terão a oportunidade de conhecer a história de uma das maiores cientistas do Estado no século 20, e que nos deixou em 2008, aos 97 anos, ainda lúcida. Falo de Clara Pandolfo, a grande homenageada na Mostra de Ciência e Cultura 2011, organizada pela Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (Sedect), e que começa a percorrer várias cidades paraenses este mês. A mostra antecede a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, evento de divulgação científica organizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia desde 2004 e que este ano ocorre em outubro.


       Clara era filha do comerciante português Albano Martins, que se mudou para Belém no fim do século 19 atraído pela borracha, com a paraense Judith Barreau, neta da irmã do seringueiro e jornalista Eduardo Angelim, um dos líderes da Cabanagem. Em quase tudo que fez, foi pioneira. Em 1926, aos 14 anos, ingressou na antiga Escola de Química Industrial do Pará, cujo diretor era o naturalista francês Paul Le Cointe, um dos maiores pesquisadoras da flora amazônica na primeira metade do século 20.


       A escola durou apenas 10 anos, entre 1920 e 1930, e neste período somente nove alunos se formaram. O curso exigia muita dedicação, com aulas em tempo integral, ministradas em francês e português. Clara foi a primeira mulher a se formar em química na região Norte e uma das cinco do país, ainda em 1929. Anos mais tarde, a ex-aluna de Le Cointe liderou o movimento pela reabertura da Escola, o que aconteceu em 1956, graças ao apoio financeiro do Estado e da SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), intermediado pela cientista, então funcionária da autarquia. Logo depois, a escola foi federalizada e incorporada à UFPA, onde está até hoje.


       Clara sempre defendeu que a química era uma ciência importante para entender a biodiversidade da Amazônia. E como professora, cujo magistério exerceu por mais de 20 anos em colégios de Belém e na própria UFPA, achava que esta ciência deveria ser dominada e exercida por pessoas da própria região – não por ser tratar de mero bairrismo, mas por acreditar que era preciso formar mão de obra localmente, em prol do progresso científico da região.


       Mas foi nos principais órgãos federais de desenvolvimento regional da Amazônia – a SPVEA e a sua sucessora, a Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) – onde Clara desenvolveu suas principais pesquisas. Na SPVEA, ainda no início dos anos 60, conseguiu que fosse assinado um acordo com o Institute de Recherches Pour Les Huilles et Oléagineux (IRHO), da França, para a implantação de um projeto experimental de cultura do dendê. O projeto foi incorporado pela Sudam, que desenvolveu uma plantação na estrada do Mosqueiro, nos anos 70. Apesar das críticas que recebeu – muitos o ironizavam, dizendo que Clara queria “levar o acarajé para o Pará” – o plantio se mostrou viável economicamente. A experiência abriu as portas para esta cultura no Estado, hoje o maior produtor de dendê (ou óleo de palma) do Brasil, considerado o biodiesel de melhor resultado econômico – 10 vezes mais produtivo que a soja!


       Como diretora de Recursos Naturais da Sudam, Clara foi uma das maiores incentivadoras do desenvolvimento tecnológico na região. Realizou convênios com universidades do Sul do país, com o intuito de formar engenheiros florestais, importantes para as pesquisas que eram empreendidas pelo órgão. Nunca deixou que o trabalho do Centro de Tecnologia Madeireira da Sudam, em Santarém, e as pesquisas silviculturais da Estação Experimental de Curuá-Una, criados graças a um convênio com a FAO (agência da ONU para a agricultura e alimentação), fossem abandonadas. Em Curuá-Una, foram desenvolvidas as primeiras pesquisas com manejo florestal com espécies amazônicas. Até então, havia dúvidas se isso seria viável pela alta heterogeneidade da região - o INPA, por exemplo, tem catalogado mais de 11 mil espécies de madeiras e a indústria comercializa somente 350.


       Os trabalhos desenvolvidos em Curuá-Una foram fundamentais para Clara criar um plano de exploração sustentável da floresta, ainda nos anos 70, chamado Florestas Regionais de Rendimento. A ideia era instituir 12 áreas na Amazônia, que seriam concedidas à iniciativa privada para exploração madeireira por meio de manejo florestal sustentável, sob fiscalização de uma empresa pública criada para este fim. Tais florestas seriam entrecortadas por áreas indígenas, de preservação, parques nacionais e outras unidades de conservação. A intenção era buscar racionalizar a exploração madeireira e mostrar que, com o manejo sustentável, seria possível explorar a floresta infinitamente.


       O projeto foi inicialmente apresentado em 1974, como uma das metas do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), do governo Geisel, e, depois, publicado em livro, em 1978, sob o título A Floresta Amazônica Brasileira – enfoque econômico-ecológico. Pela primeira vez, eram utilizados os dois conceitos juntos, então aparentemente antagônicos, para se falar de “desenvolvimento racional” - bem antes, portanto, da expressão “desenvolvimento sustentável”, criada pela Comissão Brundtland, da ONU, nos anos 80, e hoje largamente adotada.


       Na época, o projeto de Clara foi bombardeado pela direita e pela esquerda. A direita achava-se ameaçada, por acreditar que a adoção das Florestas de Rendimento iria diminuir o espaço destinado ao gado e à agricultura, enquanto a esquerda via o projeto como uma saída para a “internacionalização da Amazônia”. O fato é que, apesar das críticas, em 1979, o presidente João Figueiredo criou uma comissão, com especialistas de vários órgãos e universidades, entre os quais a própria Clara, para estudar um projeto de lei que visasse ao planejamento de ocupação sustentável da Amazônia. A comissão produziu um projeto muito avançado para a época, que previa a concessão de florestas públicas e o zoneamento ecológico-econômico da Amazônia.


       Figueiredo o enviou à Câmara no fim de seu mandato, em 1984. Em 1995, entre idas e vindas nas comissões da Casa, o projeto acabou sendo arquivado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. A ideia da concessão florestal à iniciativa privada foi retomada somente em 2006, na gestão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva – com a aprovação da Lei 11.284, que recriou, entre outras coisas, o Serviço Florestal Brasileiro, hoje responsável pela gestão das concessões públicas. Por tudo que realizou, Clara foi uma cientista muito à frente do seu tempo, uma pioneira em defesa da floresta.

*Jornalista e historiador

 

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 20:39

Outubro 14 2010

Recebi e publico comentário-desabafo de uma moradora de Parauapebas, relativo ao post abaixo, sobre a mutilação da menina afegã, que teve suas orelhas e parte do nariz cortados pelo marido. Ela tb faz referências a outros crimes crueís praticados por homens que são o lixo da sociedade. Lu.

 

"Essa história cruel me faz lembrar do posicionamento de alguns homens diante do caso do goleiro Bruno. Li em jornais e na internet comentários de alguns homens, em defesa do Flamengo, que chamam a Samúdio de vagabunda, prostituta e os piores nomes. Esquecem, antes de mais nada, que homens como o Bruno, que provocam festas com orgias e traem as namoradas e mulheres é que são os cafagestes. Depois alguns destes homens para "apagar" as besteiras que fazem tentam provocar abortos contra a vontade das mulheres e, o que é mais grave, provocam o assassinato  brutal destas mulheres.

 

Quando ficar provado quem foi o assassino desta moça, filha de uma mãe que não teve nem o alento de enterrar o corpo da filha, quem sabe esta pobre mãe tenha um pouco de paz ao saber que a Justiça vai ser cumprida. Penso também como ficará esta criança ao saber do que aconteceu com a sua mãe.

 

É uma pena que nos dias atuais ainda aconteçam crimes como esse. E o que também é assustador, observar que outros homens apoiam atos de brutalidade e de covardia como esses. Crimes bárbaros que ceifam a vida de mulheres e crianças. Crimes praticados por homens covardes e irracionais, como você diz no texto na menina afegã, deveriam ser banidos da sociedade.

 

Aqui no Pará, em Parauapebas, uma moça com nove meses de gravidez foi morta e jogada no rio (ou foi jogada viva). O autor do crime bárbaro foi o pai da criança, que, pelo que as investigações indicam, não queria pagar uma pensão miserável e achou por bem tirar a vida da moça e do próprio filho. A mãe desta moça também não conseguiu chorar sobre o corpo da filha, mas o assassino foi preso e vai pagar pela barbaridade que cometeu.

 

Devemos falar, divulgar e denunciar crimes desse tipo. Também é importante denunciar a atitude de homens covardes que cometem, mandam matar ou apóiam esses monstros que existem na nossa sociedade. Uns vermes que deveriam estar embaixo da terra.

 

Ainda bem que também existem homens dignos, como o delegado André Albuquerque, que se empenhou pessoalmente para solucionar o caso da moça grávida morta pelo pai de seu filho. Infelizmente, perdemos este conterrâneo, que foi baleado enquanto enfrentava uma quadrilha de traficantes.

 

Obrigada pelo espaço e parabéns pelo blog. Vamos clamar por JUSTIÇA!!!"

 

Josilene.

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 17:21

Outubro 12 2010

Alguns homens são verdadeiros animais. Tratam crianças e mulheres como se fossem nada. São covardes que merecem sumir do mundo. Uma criança e uma mulher merecem carinho, palavras de amor e belos gestos. Homens incapazes de tratar bem estas pessoas são animais irracionais. Lu.

Qual será o futuro da menina afegã mutilada por seu marido? Aisha posa com prótese. E sorri.

 

 

 

 

 

Em agosto, a revista Time publicou uma das capas mais ousadas de sua história. Mostrava a bela jovem Aisha, de 18 anos, mutilada por seu marido, um talibã “ofendido em sua honra”, no Afeganistão. A visão do rosto jovem desfigurado causava um misto de repulsa e pena, mas era sem dúvida uma denúncia poderosa das condições terríveis a que mulheres podem ser submetidas no regime talibã.


O blog 7×7 publicou um post sobre o assunto e informou que ela tinha embarcado para os Estados Unidos para uma cirurgia, com o objetivo de reconstituir seu nariz  e orelhas, arrancados quando tentou fugir do marido arranjado por sua família.

Agora, ela posou para a imprensa internacional com uma prótese. E sorriu. Um sorriso doce. (as fotos estão ao lado)


Nesses momentos, eu penso por que todos nós às vezes reclamamos e nos deprimimos por motivos absolutamente fúteis. O sorriso dessa moça – e seu claro orgulho por finalmente poder parecer uma pessoa normal, sem provocar no próximo um olhar de choque – é comovente.

A prótese dá uma ideia de como Aisha ficará após a operação. Quem está financiando a cirurgia é a Fundação Grossman Burn, com sede em Los Angeles.

 

Seu sobrenome nunca foi revelado. Sua história, sim, para o mundo inteiro. E é aterradora e revoltante. Aisha foi dada pelo pai a um terrorista Talibã quando tinha apenas 12 ano de idade, pouco mais que uma criança. Foi vendida em troca de uma dívida. A família do marido dela a forçou a dormir no estábulo com os animais. E, anos depois, quando a menina tentou fugir de um cotidiano de humilhações, seu marido a perseguiu e, como castigo, a mutilou. Ela desmaiou e, no meio da noite, despertou em meio a um líquido viscoso. “Quando abri meus olhos, não podia enxergar nada, por causa do sangue”,  declarou à repórter da CNN Atia Abawi .

 

Aisha foi abandonada na montanha. Achavam que ela morreria. Mas ela conseguiu, apesar de terrivelmente ferida, chegar à casa de seu avô. E foi tratada durante dez semanas num posto médico administrado por americanos. Transportada para um refúgio secreto em Cabul, capital do Afeganistão, foi levada enfim para os Estados Unidos, abrigada por uma família americana.

Espera-se que sua reabilitação dure cerca de oito meses.

 

Segundo o Dr Peter Grossman, seu nariz e suas orelhas serão reconstituídas com osso, pele e cartilagem extraídos de outras partes de seu próprio corpo. A mulher do médico disse que Aisha se lembra de seus tempos de escravidão toda vez que se olha no espelho, mas hoje já é capaz de sorrir e, quem sabe um dia, poderá superar toda a injustiça e crueldade de que foi vítima – num momento em que era uma adolescente, com todos os mesmos sonhos de quem um dia quer ser feliz, amar e ser amada.


De acordo com estimativas das Nações Unidas, quase 90% das afegãs sofrem algum tipo de abuso doméstico.

Os afegãos afirmam que tudo isso não passa de propaganda americana, porque, pela lei sagrada islâmica, cortar nariz e orelhas de pessoas seria ilegal.

 

FONTE:

http://colunas.epoca.globo.com/mulher7por7/2010/10/12/qual-sera-o-futuro-da-menina-afega-mutilada-por-seu-marido-aisha-posa-com-protese-e-sorri/

 

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 18:24
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Setembro 29 2010

Filho de Renato Russo: "Todo ser humano é bissexual"

Quem é, como vive e o que pensa Giuliano Manfredini, o único herdeiro do líder da banda Legião Urbana

Valmir Moratelli, enviado a Brasília (DF) | 21/09/2010 06:00

Assista ao vídeo da entrevista


As músicas do Legião Urbana são como hinos que embalam os sonhos e temores da juventude. Mas para Giuliano Manfredini, elas representam também um pouco de sua história familiar. Este jovem de 21 anos é o único herdeiro do líder do Legião Urbana, banda que chegou ao fim em 1996, com a morte de Renato Russo, mas que ainda hoje está presente no gosto dos jovens – de todas as idades.

 

Giuliano mora com a avó paterna em um luxuoso condomínio no Lago Sul. A mesma cidade que um dia ouviu os primeiros acordes da música-protesto “Que País É Esse”. Cercado de todo o conforto e segurança, tem três carros na garagem. No jardim, logo atrás de uma ampla piscina, ele projetou o desenho de um violão (símbolo da banda) à sombra de um roseiral. O mesmo violão também está tatuado no seu braço.

 

Foto: Felipe Bryan Sampaio

Giuliano Manfredini: "Todo mundo já teve um momento no qual se identificou com uma letra do Legião"

Próximo à Esplanada dos Ministérios, Giuliano mantém o escritório da sua produtora, a Mundano, que gerencia novas bandas. Até agora era a avó – que ele chama de mãe – quem administrava os direitos autorais que envolvem Renato. A par de toda a magnitude financeira que a obra de seu pai abrange, Giuliano está começando a tomar a frente dos negócios. “Só não me peça para cantar, que não levo jeito. Já tentei e não deu certo. Gosto é de ficar nos bastidores”, diz.

 

Foto: Felipe Bryan Sampaio

"Eu detenho o direito sobre o nome Legião Urbana, sou o verdadeiro herdeiro da banda", diz Giuliano

 

Pais e Filhos

A reportagem do iG acompanhou um dia na vida do único filho que Renato deixou. Fruto do relacionamento que o cantor teve com uma fã, Raphaela Bueno, Giuliano tinha apenas 7 anos quando seu pai morreu, vítima de complicações decorrentes da Aids. Raphaela morreu logo depois de dar à luz, em um acidente de carro.

 

De voz grave, do alto de seu 1,90m de altura, Giuliano fala sobre tudo. Surpreende pela naturalidade com que lida com assuntos polêmicos, que também permearam a vida de seu pai. Como relacionamentos com “meninos e meninas”: “Todo ser humano é bissexual. Eu já tive experiências com homens. Não tenho vergonha de falar essas coisas. Ninguém pode falar que é heterossexual se nunca experimentou o outro lado para saber que não gosta daquilo”. Ou sobre o uso de drogas: “Gosto de ir uma vez por ano a Amsterdã (cidade europeia onde elas são legalizadas)”.

 

A entrevista começou na gravadora, onde o encontro foi marcado. Mas como o local está passando por obras estruturais e não tem energia elétrica no momento, a equipe seguiu para sua casa, cerca de vinte minutos dali. Antes, uma parada na Catedral Metropolitana de Brasília, projetada por Oscar Niemeyer. “Não tenho religião. Acredito em Deus, mas não sigo nenhuma crença”, diz o jovem que, antes mesmo de nascer, já era cantado na letra “Pais e Filhos” (“Meu filho vai ter nome de santo/ Quero o nome mais bonito...”). No caminho até sua casa, ele coloca o DVD Acústico MTV do grupo do pai no aparelho do carro. É com a voz de Renato ao fundo, cantando “On the Way Home/ Rise”, que Giuliano vai falando da força que o Legião mantém no imaginário popular: “As músicas passam ideia de sinceridade. Todo mundo já teve um momento que se identificou com uma letra”, afirma.

 

Giuliano diz que seus amigos são poucos. No site de relacionamentos Facebook, tem cerca de 600 seguidores. “Não abro minha casa para muitos”, diz. Sentado num sofá decorado com almofadas que estampam a foto do pai, envolto por paredes decoradas com discos de ouro e platina conquistados pela banda, além de fotos, bonecos e homenagens ao Legião, Giuliano fala por horas da sua relação com a música e de como encara as artimanhas da vida.

 

Foto: Felipe Bryan Sampaio

Giuliano: "Ninguém pode falar que é heterossexual se nunca experimentou o outro lado"


A seguir, um pouco do jovem que tem como desafio preservar o legado de Renato Russo:

 

iG: Você começa a tomar conta do espólio do seu pai. Consegue explicar de onde vem o interesse permanente dos jovens pela banda?
GIULIANO: Em primeiro lugar, a sinceridade do meu pai de correr atrás do que sempre sonhou. Não adiantava nada ele ser um gênio se não corresse atrás do que acreditava. Legião toca nas pessoas. Se você ganha um chute na bunda de uma garota, a música do meu pai vai te dar uma mensagem. “Índios”, “Daniel na Cova dos Leões”, “Tempo Perdido”... Todo mundo já teve um momento que se identificou com uma letra. Mas ele não era um deus, era um homem comum.

 

iG: Você mantém contato com os outros integrantes do Legião?
GIULIANO: Não tenho contato direto com eles. Não falo sobre isso, porque já houve brigas. Eu detenho o direito sobre o nome Legião Urbana, sou o verdadeiro herdeiro da banda. Existe uma questão delicada, mais que isso prefiro não falar.

 

iG: Quem não gosta do Legião costuma afirmar que Renato fazia músicas depressivas. Concorda com esta crítica?
GIULIANO: Schopenhauer (Arthur Schopenhauer, filósofo alemão) falava que se você for analisar o mundo, isso aqui é um lugar ruim. O que meu pai queria dizer é que, por termos poucos momentos bons na vida, visto que felicidade é momentânea, somos todos tristes. Estes raros momentos são a força para seguir em frente.

 

iG: Você é ateu?
GIULIANO: Não. Meu pai era católico, mas fazia seu próprio catolicismo. Sou um pouco assim. Criei minha religião. Meu pai é a pessoa mais presente na minha vida. Sou sensitivo. Ele faz parte da minha consciência.

 

iG: O que você herdou da personalidade dele?
GIULIANO: A força de vontade. Não entenda como preconceito, mas eu poderia ser funcionário público, como tantos querem na vida. Trabalhar pouco, ganhar muito, ter uma vida pacata... Tem muita gente que não tem sonho. Brasília é muito assim, de gente morgada, apática. Não preciso trabalhar para sobreviver. Trabalho porque quero, porque gosto.

 

Foto: Felipe Bryan Sampaio

"Meu pai era católico, mas fazia seu próprio catolicismo. Sou um pouco assim"

 

iG: O que você faz? Como é o seu trabalho?
GIULIANO: Minha produtora, a Mundano, trabalha novos artistas. Em março faremos um festival de música em Brasília. Estamos produzindo uma peça, que ainda não posso falar, além da trilha sonora dos dois filmes sobre o Legião (“Faroeste Caboclo” e “Somos Tão jovens”). Eu é quem escolho as músicas que vão entrar na trilha. O pitaco é meu.

 

iG: Seu pai fez algumas letras bastante políticas. Você se interessa pelo assunto?
GIULIANO: Não sou aquele que sabe o nome de todos os políticos, mas tenho opinião formada. Sou neutro em relação à política. Desculpe falar assim, mas a eleição desse ano virou uma grande palhaçada.

 

iG: Por quê?
GIULIANO: Pelos candidatos... O brasileiro está descrente com o País. Não acredito em lados, em direita ou esquerda, mas em interesses. Por isso não voto. Será a segunda eleição que posso votar, mas prefiro justificar. Ninguém vota mais por ideologia.

 

iG: Praticamente todo adolescente gosta de ouvir Legião Urbana. Isso te facilitou fazer muitos amigos?
GIULIANO: Não, conto nos dedos os meus amigos. Sofria muito preconceito na fase escolar, porque era filho dele. Tenho orgulho do meu pai, e isso era confundido com exibição. Adorava falar empolgado dos novos trabalhos do Legião. Os garotos tinham prazer em me excluir. Eram agressões verbais diárias.

 

iG: Como eram estas agressões?
GIULIANO: A partir do momento que entrei no colégio e ouvi dos colegas que meu pai era “bicha”, para você ver como eles eram escrotos, passei a entender o que isso significa. Admitir que era homossexual naquela época é mais um motivo para vê-lo como herói. Tem que ser muito macho para falar “eu sou gay”.

 

Foto: Felipe Bryan Sampaio

"Sofria muito preconceito na fase escolar, porque era filho dele"

 

iG: Você entendeu desde o começo o que significava o fato do seu pai ser gay?
GIULIANO: Não existe ninguém homossexual de fato. Todo ser humano é bissexual. Se não tivesse nenhuma convenção social seríamos todos bissexuais assumidos. Meu pai não via diferença em amar as pessoas.

 

iG: Você já teve alguma relação homossexual?
GIULIANO: Eu já tive experiências com homens. Mas hoje sou heterossexual. Estou apaixonado por uma garota do Rio. Não tenho vergonha de falar essas coisas. Ninguém pode falar que é heterossexual se nunca experimentou o outro lado para saber que não gosta daquilo. É como o cara que fala que não gosta de maconha, sem nunca ter usado. Pode falar que é contra, mas não pode falar que não gosta.

 

iG: E sofreu preconceito por isso?

GIULIANO: Nunca namorei homens a sério, era mais pegação, zoação mesmo, em boates. Preconceito, claro que rola. Mas é coisa minha, ninguém tem que se envolver com isso. E se você não quiser mais ser meu amigo só porque eu beijei um homem, você é um medíocre. Experimentei sim, foi uma experiência boa. Mas não levo esses detalhes adiante. Se um filho meu falar que é gay, vou falar “que bom”.

 

iG: Você deu uma declaração certa vez chamando seu pai de “idiota” por ter usado drogas. Você nunca experimentou?
GIULIANO: Falei uma vez isso numa entrevista, me arrependo muito dessa declaração. Usa quem quer, não acho errado usar. É cultural dos jovens transgredir as regras. Coloca aí que vou uma vez por ano a Amsterdã.

 

iG: Como você trata esses assuntos em casa?
GIULIANO: Minha mãe pergunta, falo com ela, na boa. Falo que já experimentei. Não tem problema, temos diálogo em casa.

 

Foto: Felipe Bryan Sampaio

"É cultural dos jovens transgredir as regras", afirma Giuliano

 

iG: Quais são as lembranças do contato que teve com Renato?
GIULIANO: Convivi com ele até os 7 anos. Fernando Pessoa dizia que a importância das coisas não está na duração, mas na intensidade. Meu pai era uma pessoa muito intensa, assim como eu. Passava os dias com ele, em seu apartamento. Chegamos a fazer uma viagem a Nova York, quando fiz 5 anos. Ele me encheu de brinquedos.

 

iG: Você não chegou a conhecer sua mãe (que morreu num acidente de carro) e foi criado pela avó paterna. Como é esta relação familiar?
GIULIANO: Desde que minha mãe morreu, quando eu era recém-nascido, a guarda ficou com minha avó. Cresci chamando-a de mãe. Todo jovem tem seus momentos de curtição, farra. Mas também sou família. Tenho o maior orgulho de tê-la ao meu lado.

 

iG: Que futuro projeta para a lembrança do que representou o Legião?
GIULIANO: Legião tem força para muito mais. Quero estar aqui daqui a dez anos escutando e vibrando com cada uma das músicas do meu pai. Vou tomar conta de tudo. O mais importante não é lucrar com tudo isso, mas manter a ideologia de suas canções viva na memória das pessoas, de quem não conheceu e de quem ainda vai ouvi-las. Ainda temos muita coisa inédita para um dia, quem sabe.

 

Giuliano se diverte posando em frente à Catedral Metropolitana de Brasília
Foto: Felipe Bryan Sampaio

Giuliano se diverte posando em frente à Catedral Metropolitana de Brasília

FONTE:

http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/musica/filho%20de%20renato%20russo%20todo%20ser%20humano%20e%20bissexual/n1237780565642.html#14

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 04:18
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Setembro 26 2010

Uma vida interessante - por Martha Medeiros

"E, se eu lhe disser que estou com medo de ser feliz pra sempre?" pergunta ao seu analista a personagem Mercedes, da peça Divã, que estréia hoje em Porto Alegre.

 

É uma pergunta que vem ao encontro do que se debateu dias atrás num programa de tevê. O psicanalista Contardo Calligaris comentou que ser feliz não é tão importante, que mais vale uma vida interessante. Como algumas pessoas demonstraram certo desconforto com essa citação, acho que vale um mergulhinho no assunto.

 

"Ser feliz", no contexto em que foi exposto, significa o cumprimento das metas tradicionais: ter um bom emprego, ganhar algum dinheiro, ser casado e ter filhos.

 

Isso traz felicidade? Claro que traz. Saber que "chegamos lá" sempre é uma fonte de tranqüilidade e segurança. Conseguimos nos enquadrar, como era o esperado. A vida tal qual manda o figurino. Um delicioso feijão-com-arroz.

 

E o que se faz com nossas outras ambições?

 

Não por acaso a biografia de Danuza Leão estourou. Ali estava a história de uma mulher que não correu atrás de uma vida feliz, mas de uma vida intensa, com todos os preços a pagar por ela. A maioria das pessoas lê esse tipo de relato como se fosse ficção. Era uma vez uma mulher charmosa que foi modelo internacional, casou com jornalistas respeitados, era amiga de intelectuais, vivia na noite carioca e, por tudo isso, deu a sorte de viver uma vida interessante. Deu sorte?

 

Alguma, mas nada teria acontecido se ela não tivesse tido peito. E ela sempre teve. Ao menos, metaforicamente.

 

Pessoas com vidas interessantes não têm fricote. Elas trocam de cidade. Investem em projetos sem garantia. Interessam-se por gente que é o oposto delas. Pedem demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de cor preferida, de prato predileto. Começam do zero inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor, compram passagens só de ida.

 

Para os rotuladores de plantão, um bando de inconseqüentes. Ou artistas, o que dá no mesmo. Ter uma vida interessante não é prerrogativa de uma classe. É acessível a médicos, donas de casa, operadores de telemarketing, professoras, fiscais da Receita, ascensoristas.

 

Gente que assimilou bem as regras do jogo (trabalhar, casar, ter filhos, morrer e ir pró céu), mas que, a exemplo de Groucho Marx, desconfia dos clubes que lhe aceitam como sócia. Qual é a relevância do que nos é perguntado numa ficha de inscrição, num cadastro para avaliar quem somos? Nome, endereço, estado civil, RG, CPF. Aprovado.

 

Bem-vindo ao mundo feliz.

 

Uma vida interessante é menos burocrática, mas exige muito mais.

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 19:02
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Setembro 17 2010
Só vendo

ZUENIR VENTURA
Acostumados com o clichê preconceituoso que acredita não haver vida inteligente fora do eixo Rio-São Paulo, nos surpreendemos quando encontramos alguma atividade cultural em cidades do chamado "interior" — o "centro" somos nós, claro. Por exemplo: onde é possível reunir cerca de 650 mil pessoas, um terço dos moradores, para tratar de um assunto meio fora de moda, a leitura? Pois acabo de ver o fenômeno em Belém, na XIV Feira Pan-Amazônica do Livro, um dos três principais eventos do gênero no Brasil, este ano dedicada à África de fala portuguesa. Houve shows com Gilberto Gil, Lenine, Emílio Santiago, Luiza Possi, mas o destaque foram os R$30 milhões faturados com a venda de 500 mil volumes, superando, segundo os organizadores, a Bienal do Rio.

Há cidades brasileiras que só vendo. A capital do Pará é uma delas. Além de ser uma das mais hospitaleiras do país, gosta de seu passado e é hoje um exemplo de como revitalizá-lo. Já escrevi e repito que a intervenção que o arquiteto Paulo Chaves fez no cais da cidade, transformando armazéns e galpões na monumental Estação das Docas, é uma obra que não deve nada à que foi realizada em Barcelona ou Nova York (o prefeito Eduardo Paes devia ir lá ver). Outro genial exemplo de reaproveitamento é o centro onde se realiza a Feira, o Hangar, um gigantesco espaço que antes, como diz o nome, servia de estacionamento para aviões.

E não fica nisso. Há roteiros culturais como o do núcleo Feliz Lusitânia e seu Museu de Arte Sacra, onde se encontram uma Pietá toda em madeira, o São Sebastião de cabelos ondulados e a famosa N. S. do Leite, com o seio esquerdo à mostra dando de mamar. Sem falar nos museus do Encontro e de Gemas do Pará, e numa ida a Icoaraci para ver as cerâmicas marajoara, tapajônica e rupestre.

Para quem gosta de experiências antropológicas, recomenda-se — além dos 48 sabores regionais, a maioria, do sorvete Cairu — uma manhã no mercado Ver-o-Peso, onde me delicio nas barracas de banhos de cheiro lendo os rótulos: "Pega não me larga", "Amansa corno", "Afasta espírito", "Chora nos meus pés". Com destaque para o patchuli, que a vendedora me diz ser o odor de Belém. Mas antes deve-se passar pela área dos peixes: douradas, sardas, tucunarés, enchovas, piranhas, tará-açus. "Esse aqui é o piramutaba", vai me mostrando o nosso guia, o cronista Denis Cavalcanti; "aquele é o mapará, olha o tamanho desse filhote".

Desta vez, o ponto alto da visita foi uma respeitável velhinha fazendo o comercial do Viagra Amazônico para mim e o Luis Fernando Verissimo: "O sr. dá três sem tirar, e depois ainda toca uma punhetinha". Isso com a cara mais séria do mundo, sem qualquer malícia, como se estivesse receitando um remédio pra dor de cabeça. Só vendo.

Publicado no Globo de 08/09/2010

PS: ao postar o artigo acima não pude deixar de lembrar da Yasmim Uchoa me contando do nervosismo que sentiu ao se deparar com Zuenir Ventura e Veríssimo para uma coletiva que, na verdade, era uma exclusiva, durante a Feira do Livro. Ah, ela se saiu muito bem, apesar do pouco tempo de profissão. Penso que diante de feras como esses dois, é bom sermos eternas focas e, sobretudo, fãs.
publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 04:30

Maio 10 2010

 

Por Dalcídio Jurandir

 

...No bonde, Alfredo recolheu-se, sem mais aquela sensação de que o elétrico, com sua velocidade e rumor, quebrava a vidraça das janelas, impressão esta que levara de Belém quando pixote e sempre recordava em Cachoeira.
Até que o bonde ia vagaroso.


E meio sujo, seus passageiros afundavam-se num silêncio e apatia indefiníveis. Pareciam fartos de Belém enquanto o menino seguia com uma crescente gula da cidade. O bonde, cuspindo e engolindo gente, mergulhava nas saborosas entranhas de Belém, macias de mangueiras, quintais com bananeiras espiando por cima do muro, uma normalista, feixes de lenha à porta da taberna, a carrocinha dos cachorros que os levava para o fogo na Cremação, o moleque saltando no estribo e logo descendo com se fosse pago para aquilo, tabuleiros de pupunha que transpiravam ao sol, a bandeira mais roxa que vermelha de açaí, um menino de calça encarnada, o portão arriando ao peso de um jasmineiro em flor.


...................................................................................................................................


Por que sua mãe não falava mais e ele mesmo não fazia perguntas?


Passaram pelo Largo de Nazaré, a Basílica em tijolos ainda, a antiga igreja ao lado. Cobrindo o Largo, mais monumentais que a Basílica, as velhas samaumeiras. À esquina da Gentil com a Generalíssimo, saltaram.


A cidade balançava ainda. Ou estava tonto com os cheiros de Belém?


No balcão do botequim da esquina, postas de peixe frito sob as moscas mereciam-lhe um olhar de espantada curiosidade. Estava sempre atento a quem olhasse para ele, receoso de ser observado. Protegia a cabeça com o embrulho que a mãe lhe dera. Vez por outra, a mágoa crescia-lhe, ímpetos de acusar a mãe. Com o sol em cima, sentia a cabeça enorme (...)


Caminhavam na Gentil.


Alfredo parecia não ter viajado no bonde e sim no barco ainda. A rua era um rio ondulante. Viu a diferença entre as suas senhas da passagem do bonde, duas de duzentos reis, picotadas, e as que lhe dava a sia Rosália, mãe de Lucíola, quando voltava de Belém com o montepio. Senhas de uma cidade para sempre perdida.


Dalcídio Jurandir


*
[No excerto acima, do romance Belém do Grão Pará (1960), lê-se uma cena da Belém moderna, dotada de bondes elétricos, conseqüência do fausto “Ciclo da Borracha”. No início do século XX como hoje, a migração do interior para os centros urbanos é um realidade, que o romancista trabalha poeticamente]

FONTE: http://www.dalcidiojurandir.com.br/artigos/sobreautor/autor5/texto5.htm

publicado por Luciane Barros Fiuza de Mello às 07:16
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